quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Dworkin: o direito, a interpretação e a literatura


Ada Bogliolo Piancastelli de Siqueira


Dworkin defende que o Direito é, essencialmente, interpretação. Diferentemente dos positivistas que entendem as proposições de Direito como meramente descritivas, Dworkin as entende como interpretativas da história legal, formadas combinadamente por assertivas descritivas e valorativas. Diferencia-se, no entanto, dessas duas características isoladas. Por criar-se através da interpretação, o direito torna-se político e pode ficar sujeito à subjetividade e à irredutibilidade se não houverem limites para essa criação interpretativa. Encaixa-se aí o papel da Literatura para o estudo do Direito: a interpretação comum de ambos.

Dworkin analisa, primeiramente, a corrente interpretativa intencionalista na literatura, que visa descobrir a intenção do autor ao escrever a obra. Esta possibilidade de interpretação é semelhante ao que ocorre no Direito: o juiz interpreta as decisões anteriores para utilizar como medida à sua decisão, ao fazer isto, ele se utiliza de julgamentos de valor de precedentes para ‘criar’ um novo direito que se aplique ao caso concreto que ele tem em mãos. Como exemplo, Dworkin utiliza-se da idéia de romance em cadeia. Se pedíssemos para vários romancistas escreverem conjuntamente um romance, cada um um capítulo, eles teriam que se atentar para os capítulos que antecedem o seu. Cada romancista teria que analisar as características, a personalidade, o contexto, o estilo literário, a intenção do outro romancista, dentre muitas outras variantes antes de propor um novo capítulo para o romance. O mesmo acontece no Direito. Para Dworkin, a função do juiz está em achar a melhor continuação possível para esta história legal. O juiz deve comprometer-se com a unidade e a coerência do capítulo que estão escrevendo: deve levar em conta decisões, histórias, princípios, motivos anteriores ao sentenciar um caso. Esta análise da melhor saída possível deve ser feita, contudo, tendo em vista a proposta a hipótese estética de Dworkin.

Ao analisar uma obra de arte, pode-se partir da indagação: que forma de interpretação faz desta obra a melhor obra de arte possível? Como esta obra deve ser entendida para que seja considerada mais artística possível? Esta é uma indagação que pode ser transposta ao Direito, aos juízes e às leis. O juiz deve questionar qual das possíveis escolhas de aplicação da lei, tornará determinada lei mais justa? Como a lei deve ser interpretada para que ela seja uma melhor obra política? Esta é a hipotese política de Dworkin para o Direito.

Uma interpretação responsável do Direito não deve ignorar a interpretação intencionalista da lei e de seu legislador, mas não deve, no entanto, limitar-se a ela. Cabe ao juiz encontrar o seu valor político, aplicar a lei segundo o meio que em a lei virá a desempenhar seu papel de coordenação de disputas e de esforços sociais e assegurar justiça entre os próprios cidadãos e entre os cidadãos e o Estado. Os juízes devem aperfeiçoar suas teoria interpretativas entre o rigor formal da lei escrita, a mera especulação intencionalista e o subjetivismo da hipótese estética/política. Esta consciencia do juiz é necessária, especialmente, para a análise dos hard cases. Quando, segundo Dworkin, duas ou mais opções são perfeitamente viáveis ao legislador, o juiz deve pautar-se da interpretação jurídica para decidir a melhor escolha possível. Assim como uma poesia pode possuir duas interpretações divergentes, mas inteiramente aceitáveis, a lei tem esta mesma característica. Cabe ao juiz saber interpretá-la dentro dos limites da história jurídica e de maneira a buscar a maior justiça possível.


DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. P. 175-251.

Um comentário:

  1. ótimo texto,faz uma excelente relação entre a interpretação do direito e a literatura

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