terça-feira, 27 de outubro de 2009

Olhares sobre o Júri de Dimitri Karamazov - resumo de artigo




Por Alexandre Pereira Hubert*
e Rodrigo Alessandro Sartoti**


Em linhas gerais, o livro “Irmãos Karamazovi” trata da conturbada relação dos filhos de Fiodor Karamazov entre si e com o próprio pai.
Dentre tais filhos, Dimitri Karamazov destaca-se pela vida boêmia, desregrada, libertina, por agressões e ameaças ao pai.
Alieksei é o filho noviço, religioso, habita um mosteiro ortodoxo, é caracterizado pela personificação dos valores cristãos.
Ivã Karamazov é o intelectual clássico, tendo estudado em universidades e levado uma vida com certo requinte que o diferencia dos irmãos. Ateu, representa certo nihilismo individualista exacerbado.
Com o desenrolar da história, sempre baseada entre conflitos latentes entre Fiodor e seus filhos Karamazovi, o pai é encontrado assinado. Dimitri, o filho boêmio, que de fato esteve na residência minutos antes. É o principal suspeito.
O filho, então, é levado a júri popular. Sem maiores suspenses, o Livro que narra o julgamento tem como título “Um erro Judiciário”.
Neste ponto, principia-se a leitura e crítica, ainda que feita de forma descritiva, das instituições jurídicas pelo autor. O caso do suposto parricídio logo toma proporções de notícia nacional, experts em psicologia, criminologia e comportamentos desenvolvem as suas teses sobre o caso. O acusado e seu comportamento tradicionalmente anti-social, como não poderia deixar de ser, Dimitri Karamazov é descrito em suas relações interpessoais: sua relação com Gruchenka – a concubina por quem o pai também vertia amores -, seu alcoolismo flagrante, a violência de sua relação com o pai e, principalmente, aquilo que é narrado como uma suscetibilidade aflorada às paixões.
Após essa repercussão nacional do caso, um importante advogado de São Petersburgo manifesta interesse na defesa de Karamazov, ante o pagamento relativamente baixo de uma senhora apaixonada pelo acusado. O procurador – o acusador público – por sua vez, representa a Província aonde se deu o relatado assassinato, avoca para si a defesa daquela sociedade, seus valores e suas famílias, passando a conceber a condenação do acusado como, não que ele mesmo não estivesse plenamente convencido da culpa, a ocasião em que haveria de mostrar seu valor, tão desconsiderado, ante à comunidade que o cercava.
Dostoievski se coloca, como narrador, por entre o numeroso público presente ao acontecimento. Daí poderá narrar as emoções, arroubos e sensações dos que com ele presenciavam esse espetáculo da justiça.
O júri compunha-se de quatro funcionários, dois comerciantes, seis camponeses e pequenos burgueses da cidade. Dostoievski destaca o seguinte comentário que podia se ouvir na sociedade naquele tempo: “Será possível que um caso de psicologia tão complicada seja submetido à decisão de funcionários e de mujiques? Que é que eles compreenderão disso?”.
Neste ponto, Nelson Hungria ecoa a preocupação latente naquelas senhoras provincianas, que questionavam a preparação de um corpo de pessoas do povo em sentenciar o destino de um dos seus pares, afirmando: “juízes improvisados e escolhidos por sorteio, em gritante contraste com a natureza técnica e crítica do Direito e processos penais contemporâneos; com os seus veredicta sem qualquer motivação e sem uniformidade, dependendo da maior ou menor impressão causada pelos golpes teatrais dos advogados de defesa”. Interessante notar como a crítica do jurista pátrio se limita à possibilidade de absolvição, tamanha era a sua esperança na possibilidade da pena servir de papel exemplificativo em relação aos demais cidadãos.
Lenio Streck, opondo-se aos críticos do júri, afirma que “argumentos com ‘a influência exercida pela fácil retórica’ e ‘a incapacidade dos jurados de apreciarem questões de alta relevância jurídica’ servem como forte sustentáculo retórico para a descaracterização do Tribunal do Júri. Se um juiz comete uma injustiça em um julgamento singular, os advogados ou as partes não reclamarão, uma vez que existe, por parte dos atores jurídicos, o que Luhmann (1980, p. 29) chama de ‘prontidão generalizada para a aceitação das decisões’ bastando ‘que se contorne a incerteza de qual decisão ocorrerá pela certeza de que uma decisão ocorrerá, para legitimá-la’ (ibidem, p. 91). Já com relação às decisões do Tribunal do Júri, não obstante estarem, também, ‘legitimadas pelo procedimento’, estas sofrem críticas que visam a descaracterizar o júri enquanto instituição jurídica, sob argumentos como a ‘ausência de rigor técnico nos veredictos’.
Destarte, segundo Streck, os críticos apóiam-se nos mitos da Neutralidade e da Verdade Real para justificar tão somente a atuação dos juristas – aqueles que foram dotados da ciência – como capazes de efetuarem julgamento correto.
Pois bem, a audiência principia. Dentre as testemunhas de acusação, os mais variados cidadãos que presenciaram brigas e indisposições entre pai e filho. Enquanto o promotor lhes tenta extrair o caráter violento do acusado, o advogado de defesa, através de ataques pessoais a cada uma das testemunhas, lhes retira a confiabilidade do testemunho.
A audiência das testemunhas da defesa vem em sequência, e aí ocorre fenômeno interessante. Tais testemunhas, excetuando Alieksei, o irmão noviço, acabam por convencerem-se elas mesmas da culpabilidade do acusado, fazendo assim o papel da acusação. Ivã, o outro irmão, e único conhecedor da verdadeira identidade do assassino, é acometido de um acesso de loucura durante seu testemunho, que acaba por lhe retirar a credibilidade do testemunho.
Na sustentação final, o procurador desenvolve uma corrente de raciocínio que, baseada em um psicologismo que ele julga dotado de uma cientificidade impecável, traça a perfeita personalidade de um homicida passional. O pretenso cientificismo que embasa a tese acusatória é, após, atacado pela defesa em capítulo que Dostoievski nomeia “A defesa: uma faca de dois gumes”. Em sua sustentação, o consagrado advogado ataca as bases do raciocínio da acusação, mostrando como a lógica psicológica que se propõe prever determinadas condutas pode muito bem, caso sejam outros os fatos a serem incluídos no desenvolvimento, levar a conclusões totalmente opostas.
A ambição de concluir pela execução ou não de um crime – ambição vinculada às escolas etiológicas da criminologia – fica assim desacreditada pela sustentação da defesa que propugna pela absolvição do réu ante à ausência de evidências da autoria.
No momento em que cessa o debate e se retira o corpo de sentença para a discussão sobre a decisão – o modelo russo assemelha-se ao americano, doze jurados que devem chegar a uma decisão unânime – o burburinho na plateia dá conta de que após tão brilhante e qualificada defesa o réu estaria certamente absolvido.
O derradeiro capítulo do júri traz, no entanto, um título desanimador: “os mujiques mantiveram-se firmes”. Ocorre que, mesmo em dissonância com a beleza e a eloquência da tese defensiva, o réu foi considerado culpado sem qualquer atenuante, o que petrificou por instantes o ambiente da plateia. Dostoievski, como já dissemos, narra o episódio do júri na figura de um dos espectadores presentes ao público, de modo que não temos conhecimento dos debates efetuados entre os jurados, entretanto, a penúltima e a última frases deste capítulo parecem denunciar a natureza da condenação sofrida por Dimitri, são elas: “os mujiques mantiveram-se firmes” e “e ajustaram suas contas com o nosso Mítia”.
O júri, de tal modo, cumpriu uma função de vingador público baseando sua decisão na má-fama e nos traços da personalidade do réu. Sua decisão mereceu o título de um “erro judiciário”, conforme cunhado pelo autor. Não nos parece adequado afirmar que diverso teria sido o posicionamento do juiz togado.



*Acadêmico da 9ª Fase de Direito da UFSC.
**Acadêmico da 3ª Fase de Direito da UFSC e membro-bolsista do Grupo de Pesquisa em Direito e Literatura na mesma instituição.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Italian Society For Law and Literature

O XXIV Congresso Mundial da IVR - International Association for Philosophy of Law and Social Philosophy (IVR), fundada em Berlim em 1 de outubro de 1909, contou com a participação de Workshop de Direito e Literatura realizado pela Sociedade Italiana de Direito e Literatura (http://www.lawandliterature.org/)

Realizado em Pequim, nos dias 15 a 20 de setembro de 2009, o Workshop foi coordenado por François Ost e Jeanne Gaaker e buscou desenvolver as conexões entre Direito e Literatura, conforme verifica-se do documento que segue:

http://www.lawandliterature.org/area/documenti/abstracts.pdf

Ressalto, ainda, a participação de Vera Karam com o trabalho:
"Benjamin reader of Baudelaire: Images of modernity through time, myth and the law."

Agecom/ UFSC - Minicurso da SEPEX analisa Direito e Literatura Infantil

http://www.agecom.ufsc.br/index.php?id=10142&url=ufsc

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Dworkin: o direito, a interpretação e a literatura


Ada Bogliolo Piancastelli de Siqueira


Dworkin defende que o Direito é, essencialmente, interpretação. Diferentemente dos positivistas que entendem as proposições de Direito como meramente descritivas, Dworkin as entende como interpretativas da história legal, formadas combinadamente por assertivas descritivas e valorativas. Diferencia-se, no entanto, dessas duas características isoladas. Por criar-se através da interpretação, o direito torna-se político e pode ficar sujeito à subjetividade e à irredutibilidade se não houverem limites para essa criação interpretativa. Encaixa-se aí o papel da Literatura para o estudo do Direito: a interpretação comum de ambos.

Dworkin analisa, primeiramente, a corrente interpretativa intencionalista na literatura, que visa descobrir a intenção do autor ao escrever a obra. Esta possibilidade de interpretação é semelhante ao que ocorre no Direito: o juiz interpreta as decisões anteriores para utilizar como medida à sua decisão, ao fazer isto, ele se utiliza de julgamentos de valor de precedentes para ‘criar’ um novo direito que se aplique ao caso concreto que ele tem em mãos. Como exemplo, Dworkin utiliza-se da idéia de romance em cadeia. Se pedíssemos para vários romancistas escreverem conjuntamente um romance, cada um um capítulo, eles teriam que se atentar para os capítulos que antecedem o seu. Cada romancista teria que analisar as características, a personalidade, o contexto, o estilo literário, a intenção do outro romancista, dentre muitas outras variantes antes de propor um novo capítulo para o romance. O mesmo acontece no Direito. Para Dworkin, a função do juiz está em achar a melhor continuação possível para esta história legal. O juiz deve comprometer-se com a unidade e a coerência do capítulo que estão escrevendo: deve levar em conta decisões, histórias, princípios, motivos anteriores ao sentenciar um caso. Esta análise da melhor saída possível deve ser feita, contudo, tendo em vista a proposta a hipótese estética de Dworkin.

Ao analisar uma obra de arte, pode-se partir da indagação: que forma de interpretação faz desta obra a melhor obra de arte possível? Como esta obra deve ser entendida para que seja considerada mais artística possível? Esta é uma indagação que pode ser transposta ao Direito, aos juízes e às leis. O juiz deve questionar qual das possíveis escolhas de aplicação da lei, tornará determinada lei mais justa? Como a lei deve ser interpretada para que ela seja uma melhor obra política? Esta é a hipotese política de Dworkin para o Direito.

Uma interpretação responsável do Direito não deve ignorar a interpretação intencionalista da lei e de seu legislador, mas não deve, no entanto, limitar-se a ela. Cabe ao juiz encontrar o seu valor político, aplicar a lei segundo o meio que em a lei virá a desempenhar seu papel de coordenação de disputas e de esforços sociais e assegurar justiça entre os próprios cidadãos e entre os cidadãos e o Estado. Os juízes devem aperfeiçoar suas teoria interpretativas entre o rigor formal da lei escrita, a mera especulação intencionalista e o subjetivismo da hipótese estética/política. Esta consciencia do juiz é necessária, especialmente, para a análise dos hard cases. Quando, segundo Dworkin, duas ou mais opções são perfeitamente viáveis ao legislador, o juiz deve pautar-se da interpretação jurídica para decidir a melhor escolha possível. Assim como uma poesia pode possuir duas interpretações divergentes, mas inteiramente aceitáveis, a lei tem esta mesma característica. Cabe ao juiz saber interpretá-la dentro dos limites da história jurídica e de maneira a buscar a maior justiça possível.


DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. P. 175-251.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Minicurso SEPEX



Data: 21/10/09
Horário: 14h00
Local: Sala 217 - CCJ/UFSC
Inscrições no local.

Será emitido certificado de 2 (duas) horas-aula.